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Reportagem de Casa Vogue mostra que cresce a utilização de técnicas não poluentes

A procura por materiais verdes chegou ao colorido dos tecidos. Em pequenos ateliês, ganha força o movimento de recuperar técnicas artesanais para tingir as fibras com infusões extraídas de plantas.

A estilista Flavia Aranha recorda a cena: nos fundos de uma fábrica de jeans próxima a Xangai, a tubulação a céu aberto despejava água azul, contaminada por corantes, diretamente no rio. Isso sem falar nas condições humanas degradantes do local. “Era 2007, eu trabalhava para uma grande marca de moda brasileira e buscava novos fornecedores”, conta. O roteiro incluía uma visita à Índia, onde Flavia conheceu um grupo de artesãs especializadas em colorir tecidos com extratos vegetais. “Depois de ver de perto os diversos impactos negativos da produção têxtil, encontrar essas mulheres foi um alento. Decidi que era isso o que queria fazer”, diz. Hoje, 12 anos após criar sua grife homônima de vestuário e decoração, em São Paulo, a profissional se tornou referência no movimento de resgate do tingimento natural por respeito à saúde do planeta.

Quem nunca pensou no assunto precisa saber: a estampa floral das almofadas ou o beginho das toalhas de banho, quando obtidos da maneira convencional, têm alto custo para o meio ambiente. Segundo dados do Banco Mundial, entre 17% e 20% de toda a água poluída pela indústria deriva de processos de coloração e acabamento de tecidos. E não adianta tratar e reciclar o líquido (o que poucos players fazem), pois alguns dos químicos tóxicos não se deixam remover. “Já o método não artificial é como preparar um grande chá. O resíduo pode ser jogado na terra do jardim sem risco algum”, afirma Maibe Maroccolo, fundadora da Mattricaria, em Brasília, na qual pesquisa a flora tintorial brasileira, formula corantes, dá cursos e presta serviços de tinturaria a empresas.

Cultivo com propósito

O descarte da água, porém, equivale a apenas uma das etapas de uma cadeia complexa, que precisa ser analisada como um todo. Em primeiro lugar, não faz sentido aplicar a técnica em fios ou tecidos sintéticos, que demorariam décadas a degradar. Fibras de origem vegetal ou animal, como algodão, cânhamo, linho, seda e lã, são as receptoras ideais. “Minhas peças, ao fim da vida útil, viram adubo se enterradas”, assegura Flavia. Ela reforça a necessidade de pensar em circularidade, ou seja, na escolha de recursos que não se convertam, no futuro, em mais um lixo sem solução. Esse raciocínio leva os adeptos a encarar os resíduos, especialmente os agrícolas, como possibilidades para criar. “Desenvolvi 16 tonalidades só com cascas de cebola”, fala Maibe. Já os insumos de primeira mão devem ser obtidos sem agredir os ecossistemas. “Além de trabalhar com cooperativas que cuidam do manejo das espécies, defino uma cartela diferente a cada ano e promovo um rodízio para não estressar a vegetação. O barbatimão da paleta de 2021 ficará de folga em 2022”, exemplifica.

Ritmo Slow

Empresas alinhadas com a sustentabilidade compreendem melhor um processo como esse, regido pelos ciclos da natureza. “É quase um retorno ao primitivismo”, comenta Zeco Beraldin, proprietário do Empório Beraldin. A marca, que sempre priorizou os materiais naturais, acaba de lançar um ateliê de tingimento vegetal e tecelagem manual para executar projetos exclusivos. Concebida pelo arquiteto Kiko Salomão para a casa de um cliente, a primeira minicoleção estreou na última DW! Semana de Design de São Paulo, em outubro de 2021, e traz mantas e almofadas de seda rústica, coloridas por ingredientes como açafrão-da-terra, erva-mate e pó de café.

A premissa de não usar pigmentos artificiais acompanha a Pia Laus desde sua fundação, há um ano, em Tijucas, SC. As mantas e almofadas da marca, compostas de algodão orgânico, lã ou tecido reciclado, ganham cor por meio de infusões vegetais ou pós minerais, importados da Índia. “Cuidamos do planeta e dos artesãos, que não entram em contato com químicas perigosas”, afirma a CEO, Tanara Hannich. Nas experimentações para aprimorar a manufatura, ela procura formas de reduzir o consumo de água.

Embora seja mais frequente em pequenas oficinas, a fórmula pode ganhar escala, e Flavia está aí para provar. Seu ateliê prosperou graças a pesquisas para incorporar o maquinário da tinturaria industrial. Outro exemplo de quem adotou a paleta natural em dimensões industriais é O Casulo Feliz, de Maringá, PR. Desde 1988, a marca processa casulos de seda rejeitados (por serem pequenos demais ou irregulares) para dar origem a fios rústicos, tecidos, artigos de décor e roupas.

Ajuda da Biotecnologia

A busca por métodos naturais escaláveis está por trás de uma novidade que promete reduzir drasticamente o gasto de água no procedimento e ainda garantir matizes duráveis e variados: a pigmentação por bactérias. “Diversos micro-organismos produzem cores”, explica Breno Abreu, professor de design de moda na Universidade Federal de Goiás e autor de uma dissertação de mestrado, defendida em 2013, sobre o tema. O processo consiste em isolá-los e colocá-los para crescer em um meio nutritivo (Abreu optou pelo farelo de aveia e água), no qual também se deposita o tecido. Ao mesmo tempo em que se multiplicam, as bactérias colorem as fibras. Depois, uma única lavagem remove o odor da fermentação. “Realizei experimentos em algodão, linho e seda com actinobactérias, que são encontradas no solo da Caatinga e não prejudicam a saúde”, relata ele, que segue orientando trabalhos acadêmicos relacionados ao assunto.

Fora do Brasil, startups como a britânica Colorifix já apresentam a solução ao mercado: em Portugal, o selo de tecidos para vestuário Tintex, que emprega um processo vegetal de tingimento patenteado, chamado Colorau, começa em 2022 a produzir amostras com as bactérias da Colorifix. “Receberemos o biorreator e multiplicaremos as colônias na fábrica”, conta Pedro Silva, head de produção. De acordo com ele, uma das possibilidades mais atraentes oferecidas por essa parceria reside na infinidade cromática. “A tecnologia permite o sequenciamento genético de qualquer tom existente na natureza e a introdução desses genes nas bactérias”, explica.

No início, o volume será pequeno: 20 kg de tecido a cada tingimento. Mas tende a aumentar conforme suba a capacidade de proliferar e armazenar os pigmentos. Entre os entraves para que essa ideia se espalhe, Abreu lembra que os fabricantes terão de comprar equipamentos e incorporar uma etapa demorada (a fermentação dos micro-organismos) à linha de produção. “Faltam incentivos fiscais e financeiros para isso”, constata. Na COP26, conferência do clima realizada em Glasgow em novembro de 2021, a organização internacional sem fins lucrativos Textile Exchange apontou o mesmo problema e formalizou uma reivindicação aos governantes globais para que estabeleçam políticas de estímulos ao uso de materiais sustentáveis na indústria têxtil. Enquanto as bactérias não chegam, os consumidores ainda têm uma gama de cores vegetais a descobrir. Basta fazer escolhas conscientes.

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Written by: Eduarda Costa

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